29 de março de 2012

Grão de boas ideias



Recebo o interessante e-mail do Coletivo Grão.



Diz o link "+1, mais muitos":



"Ajudar o outro a dar sentido ao que pensa, experimenta e faz é muito mais que simplesmente transmitir conteúdos através de aulas ou seminários, é oferecer ao outro a possibilidade de trocar aquilo que é seu com mais alguém."




Acesse o link, vale a pena: http://flavors.me/grao

26 de março de 2012

Mãe como superego punitivo: "I know it´s over"

Se eu tivesse que elencar os dez mais importantes álbuns de música pop de todos os tempos, incluiria, obrigatoriamente, "The queen is dead", dos Smiths. O álbum, lançado em 1986, completou 25 anos em 2011. Segue - a prova de tempo - impecável, do começo ao fim.

Costumo brincar que, caso eu lecionasse psicopatologia, me valeria dos conteúdos da cultura pop para explorar alguns conceitos presentes nas diversas escolas psicopatológicas. Caso o foco fosse a psicopatologia psicanalítica, ilustraria o bioniano conceito de "terror sem nome" com a cena inicial de "Carry, a Estranha" (não refiro-me à lamentável refilmagem deste clássico; penso na versão de 1976, dirigida magistralmente por Brian de Palma). E se tivesse de exemplificar o que é "superego punitivo", valeria-me da belíssima canção dos Smiths, "I know it´s over".

Há menos de um mês, Morrissey, a cabeça genial dos Smiths, esteve em turnê pelo Brasil. Fez um memorável show em São Paulo. Tive o privilédio de ouvi-lo cantar "I know it´s over".
Sendo este blog agonizante temático, ou seja, sobre "cérebro, emoções, comportamentos ", não resisto em retomar os trabalhos indicando aos insistentes e abandonados leitores deste blog moribundo que observem com atenção os versos construídos pelo ex-vocalista dos Smiths.

A canção abre com o comovente verso,

“Oh mother I can feel the soil falling over my head".
O protagonista dirigi-se à mãe, corpo e abrigo de onde viemos. Ventre que nos forjou, de onde saímos e, temos certeza, seremos aceitos se retornarmos, do jeito que retornarmos: mãe é pátria que perdoa e repara. Lembro-me de um professor de literatura que, ao comentar sobre soldados feridos na guerra do Vietnã, observou que estes, quando gritavam por alguém, gritavam, invariavelmente, pela mãe.

Mas Morrissey perverte a função materna. Relega o personagem ao ostracismo do leito vazio e descreve um mundo que procura, o tempo todo, arremessá-lo para fora,

“See the sea wants to take me
The knife wants to slit me
Do you think you can help me?”


Fora do ventre. Fora do mundo também. Ao contrário do que a voz enseja ao dirigir-se à figura materna, não há ajuda; uma sequência de versos crus respondem ao pedido de ajuda,


“If you're so funny, then why are you on your own tonight?
And if you're so clever, then why are you on your own tonight?
If you're so very entertaining, then why are you on your own tonight?
If you're so very good-looking, why do you sleep alone tonight?
I know... Because tonight is just like any other night
That's why you're on your own tonight, with your triumphs and your charms
While they're in each other's arms.”


A mãe que responde, não acolhe, não conforta. Nega completamente sua vocação de ninho. Afirma a indiferença do mundo, grande demais. É implacável ao apostar na incapacidade do filho em relacionar-se e "ganhar o mundo". Trata-se do que em Psicanálise nomeamos como "Superego Punitivo". Muitas vezes somos assolados pelos seus aspectos mais implacáveis. E perdemos o sono, não permitindo que acolhamos aa nós mesmos. 

“Love is natural and real, but not for such as you and I, my love.”

Genialmente, a canção aponta para a identificação da figura materna com a incapacidade para o amor, “natural e real” para os outros. Não para ela. Jamais para o filho.

Os versos de Morrissey mostram que é no início do amor, com as figuras de referência que nos acompanham nos primeiros anos de vida, que a ligação com determinado objeto amoroso nos fará perseguir, ao longo da existência, o desejo de restaurar a completude perdida com o nascimento.

29 de março de 2011

VII Colóquio de Psicopatologia e Saúde Pública





Andei desaparecida, eu sei. Mas cá estou de novo, fiéis e abnegados seguidores deste blog meio fantasma. Minha presença é solene: tem a função de convidá-los para o VII Colóquio de Psicopatologia e Saúde Pública, da Faculdade de Saúde Pública da USP, que ocorrerá nos dias 8, 9 e 10 de abril de 2011.


A programação está aí em cima, nada legível, é verdade...


Aos bons observadores, na "mesa 12" ocorrerá uma "roda de conversa" sobre Matriciamento em Saúde Mental na Saúde Pública, que contará com minha participação, bem como da assistente social Lívia Martins e do psicanalista José Eduardo Azevedo.


A ideia é podermos debater com o público presente experiências de matriciamento feito pelos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS, dispositivos especializados no atendimento à pessoas com transtornos mentais severos e persistentes. Além da assistência especializada em saúde mental, os CAPS são os dispositivos de saúde responsáveis pela ordenação da rede de cuidados em saúde mental na saúde pública (assim como eu, meus dois colegas de mesa também gerenciam CAPS na cidade de São Paulo).


Mas o Colóquio vai muito além disso e contará com oficinas sobre justiça restaurativa, economia solidária entre outros temas socialmente relevantes.


Nos vemos por lá!

8 de janeiro de 2011

Especial na Cabeceira: A Morte de Bunny Munro

Se eu pudesse obrigar você, leitor, a ler um livro neste início de ano, este seria “A Morte de Bunny Munro”. O autor, Nick Cave, músico consagrado, escreveu um dos melhores textos que li sobre a truncada relação pai, filho e avô. Homens incidindo perturbadoramente uns sobre os outros - tema raro na literatura.
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O livro é psicologia pura. Mas não espere você por discursos reflexivos sobre a condição masculina. Nick Cave não é Lia Luft! Trata-se de experimentar uma intensidade. O texto é apressado, triste, desastrado. Não para pra pensar. 
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O modo como a ligação afetiva intergeracional atinge os personagens é desconcertantemente bonita e pesada. Dou-me ao sagrado direito à mediocridade que todo blogueiro deve gozar e defendo a idéia de que o tema principal de “A Morte...” seja a repetição. Melhor explicando, a inevitabilidade da repetição de comportamento nas relações familiares. O que comunicamos, desejando ou não, aos ligados a nós pelo sangue.
Bunny Munro, caixeiro viajante, filho de um desonesto vendedor de antiguidades, é obcecado por sexo e álcool. Após o suicídio da esposa, costura o destino do filho - o comovente Bunny Junior, de 9 anos - do único jeito que aprendeu: ensinando a arte da venda ao guri e oferecendo saídas nas mais bonitas mentiras. Eis o aspecto que mais me agrada na história: independentemente das limitações severas de Bunny Munro, ele consegue, em meio ao caos, mostrar ao filho que o mundo é um lugar bom e interessante:
“- A gente vai para casa agora, pai?
- Cruzes, não! – diz Bunny, olhando no espelho retrovisor. – A gente está na estrada!
- O que a gente vai fazer, pai?
- Eu, você e o Darth Vader vamos nos hospedar em um hotel!
Bunny olha novamente o retrovisor – está procurando qualquer indício de polícia, o uivo de uma sirene, luzes azuis piscantes se aproximando dele por trás -, no entanto vê apenas o tráfego noturno se arrastando como um sonâmbulo.(...)
- Sério, pai? – diz ele. – Um hotel?
- Isso mesmo! E sabe o que a gente vai fazer quando chegar lá? – Blocos de luz amarela atravessam o rosto do menino e seus olhos estão esbugalhados e alucinados quando Bunny acrescenta, com a devida reverência:- Vamos pedir serviço de quarto.
- O que é serviço de quarto, pai?
- Pelo amor de Deus, Bunny Boy, você sabe qual é a capital da Mongólia e não sabe o que é serviço de quarto?
Bunny foi banido por tempo indeterminado de três McDonald´s e um Burger King e jogado para fora de um Kentucky Fried da Western Road com tanta força que quebrou duas costelas na queda. E isso no meio da tarde de um sábado agitado. Ele também recebeu quatro ASBOS diferentes na região de Sussex.
- Seviço de quarto é quando você deita na cama no seu quarto de hotel, fecha os olhos e pensa em qualquer coisa que quiser no mundo, qualquer coisa mesmo, aí telefona pra recepção, pede o que escolheu e um sujeito de gravata-borboleta traz pra você.
- Qualquer coisa, pai? – pergunta o menino, girando o Darth Vader na mão e percebendo, ao mesmo tempo, que não precisava ter se preocupado com nada o tempo todo."
As descrições dolorosas nos momentos em que Bunny Munro percebe, verdadeiramente, o que se passa com o filho são comoventes: “Olha para o filho que por algum motivo está com um sorriso perturbado no rosto.” Tão comovente quanto o esforço de Bunny Junior para parecer bem aos olhos do pai, não incomodá-lo com seus medos e necessidades, não fragilizá-lo ainda mais ao decifrar o declínio físico e psicológico do pai. Acompanhá-lo, lealmente, até o dia de sua morte.
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O objeto transicional que mantém Bunny Junior a salvo é uma enciclopédia, presente da mãe, ao qual recorre constantemente para tentar entender o que se passa com o pai e consigo mesmo. A enciclopédia, praticamente um personagem no livro, nomeia as experiências do menino, o organizando internamente:
“O menino estava lendo a enciclopédia à mesa do café da manhã e, além de 'Aparição' e 'Manifestação', ele procurou 'Experiência de quase-morte.'
Enfim, trata-se de um livro nada fácil de digerir. Talvez eu não devesse recomendá-lo. Mas recomendo. Acho o tema brilhante. Além disso, o livro possui um dos parágrafos finais mais perfeitos que já li (em meu ranking particular, perde apenas para o parágrafo final de "Uma criatura dócil", de Dostoiévski).
[Cave, Nick. "A Morte de Bunny Munro". Rio de Janeiro / São Paulo: Ed. Record. 2010.]
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Dedico este texto à minha querida tia que, meio Bunny, resolveu ensinar-me “a Lei da Paciência”. Deixou-me esperando dias a fio por boas notícias do lado de fora. Agradeço profundamente pelo seu afeto, as inúmeras recomendações de livros, as conversas luminosas nos domingos à noite. Jamais esquecerei seu rosto expressivo, seus olhos verdes faiscantes, nossa união de sangue.

20 de dezembro de 2010

A capa do ano


Despedidas a parte, não pude me furtar de vir aqui e comentar a capa da revista Time, com Mark Zuckerberg, criador do Facebook.


Este post não pretende deter-se sobre história do genial criador da rede social mais expressiva da atualidade - finamente retratada num sério candidato a filme do ano em meu ranking pessoal (que poderá, nós próximos dias, ser desbancado pelo último do Woody Allen). Meu objetivo, mais modesto, é somente recomendar ao leitor que se detenha sobre a espantosa imagem que ilustra a capa da última Time Magazine: o inexpressivo rosto adolescente de Mark Zuckerberg. Genial o fotógrafo que a capturou.
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A capa remeteu-me a mesma expressão vazia da popular foto do poeta Rimbaud que, nas primeiras edições pockets da editora L&PM, ilustrou "Uma temporada no inferno". Neste caso, o menino Rimbaud escreveu, aos 16 anos, o maior poema em língua francesa de todos os tempos. A incômoda puerilidade do rosto de Mark, sardento e imberbe, cujo olhar atravessa o leitor de um jeito quase estúpido, contrasta dramaticamente com a chamada da matéria.
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O cabeçalho destaca o pirralho loirinho como homem do ano de 2010. Não tenho dúvidas de que, sim, ele é. A foto acentua a sensação de surpresa que o leitor vivencia ao conhecer a história de Zuckerberg. Em suma, vivemos na era em que uma nova ética de relações interpessoais foi estabelecida por gente muito jovem que não pensou profundamente nas repercussão do que estava criando.
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Todavia, o resultado pode ser mensurado pelo esforço narcísico de gerações inteiras que aprenderam a conviver com os outros de um jeito completamente novo.

2 de dezembro de 2010

Além de latinos, insanos...

Vazou no Wikileaks: o governo americano solicitou ao seu serviço secreto informações sobre a saúde mental da presidenta argentina Cristina Kirchner.

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Não caberia, como contrapartida, o governo argentino solicitar informações sobre a sanidade mental dos membros do Partido Republicano?

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Aposto que no Tea Party ninguém se safa.

20 de novembro de 2010

Esquizofrenia e Abuso de Substâncias

No dia 27 de novembro, no Caps Itapeva, haverá uma mesa redonda sobre esquizofrenia e abuso de substâncias, fato muito comum e largamente discutido nos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS.
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Como os Caps são responsáveis pelo atendimento de casos graves e crônicos em saúde mental no SUS e organizam-se a partir de certa especificidade da demanda, quando alguém aparece no serviço com um diagnóstico de esquizofrenia e fazendo uso de algum tipo de substância, debates calorosos sobre qual Caps deve assistir o usuário são comuns (Caps Álcool e outras Drogas? Capsi - nos casos juvenis? Caps Adulto?)
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Bom, o encontro vai tratar exatamente disto e conta com a seguinte programação:
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12:30h às 13h - Cadastramento
13:15h - Mesa Redonda com o psiquiatra do PROESQ (Programa de Esquizofrenia da UNIFESP) Thiago Fidalgo e a Terapeuta Ocupacional especialista em saúde mental e dependência química pela UNIFESP Sabrina Vizolli, mais um usuário e um familiar convidado (não foram informados os nomes)
15h - Coffe Break
15:30h - 17h - Debate entre palestrantes e paltéia
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O evento é gratuito e o Caps Itapeva fica na Rua Carlos Comenale, nº 32, Estação Trianon-MASP do metrô.

7 de novembro de 2010

Sentimento de Inadequação


Canções miúdas, encontradas no meio da tarde quase que por acaso, salvam o dia. "Eye of the Needle", do cd "Regeneration", do The Divine Comedy (banda de um homem só, o genial Neil Hannon) é uma delas. A preciosa canção versa sobre o sentimento de inadequação - e consequente solidão - de um sujeito que, aos poucos, se desgarra de sua comunidade religiosa por refletir. Mas que, ainda assim, deseja acima de tudo pertencer.


A canção é comovente, na medida em que o protagonista, em momento algum, desejou não acreditar. Ele participa e conhece seu rebanho. Seu questionamento sobre a fé parece nascer, exatamente, da convivência cotidiana com os outros fiéis e das "respostas" que julga não receber de Deus:


They say that you'll hear him if you're really listening
And pray for that feeling of grace
But that's what I'm doing, why doesn't he answer?
I've prayed 'til I'm blue in the face.


A observação da chegada da comunidade nas imediações da igreja reforça a sensação de solidão e dúvida. O desejo de "tocá-los" com o olhar provocativo, que "alfineta" e procura desvendar os mesmos questionamentos que experimenta, o acompanha durante a cerimônia religiosa. Um olho com função tátil, que espeta e acorda. Não será - podemos inferir - vontade de união e identidade com o grupo que percebe, aos poucos e involuntariamente, abandonar? Talvez o desejo de "tocar com os olhos" sua congregação seja a única forma de derrotar o isolamento que vivencia de modo inquietante:

The cars in the churchyard are shiny and German
Distinctly at odds with the theme of the sermon 

And during communion I study the people
Threading themselves throughI the eye of the needle
...
Mas a parte que me parece mais tocante é quando ele admite o desejo inverso, de ver seu Deus triunfar sobre as dúvidas que o afastam, penosamente, do sentimento de graça que tanto deseja alcançar. Um desejo de sentir o severo e libertador olho de Deus - Cave, Cave, Dominus videt [1] - tomando a congregação. O sinal inequívoco daquele que tudo vê, subjugando as incertezas que fustigam a fé débil que não consegue mais sustentar. Temer a Deus, sem restar dúvidas e, aliviado, reenconhecer-se na congregação. Abdicar do peso que a condição de desgarrado impõe, sendo, simplesmente, mais um:

I know that it's wrong for the faithful to seek it
But sometimes I long for a sign, anything
Something to wake up the whole congregation
And finally make up my mind.
[The Divine Comedy, "Eye of the needle", cd "Regeneration"]
...
Referência à frase de Bosch:
(1) “Cave, cave dominus videt” : a “Mesa dos Pecados Capitais” pintada por Bosch, artista gótico do século XV, conta com essa frase em latim, e quer dizer "Cuidado, Cuidado, deus a tudo vê". Se não me engano, encontra-se exposta no Museu do Prado, em Madri. Se não me engano.

10 de outubro de 2010

Na cabeceira


"So far, the story of sight has been about what we actually sense: the light and lines detected by the retina and early stages of the visual cortex. These are our feed-forward projections. They represent the external world of reflected photons. And while seeing begins with these impressions, it quickly moves beyond their vague suggestions. After all, the practical human brain is not interested in a camera-like truth; it just wants the scene to make sense. From the earliest levels of visual processing in the brain up to the final polished image, coherence and contrast are stressed, often at the expense of accuracy.


Neuroscientists now know that what we end up seeing is highly influenced by something called top-down processing a term that describes the way cortical brain layers project down and influence (corrupt, some might say) our actual sensations. Why does the mind see everything twice? Because our visual cortex needs help. After the prefrontal cortex receives its imprecise picture, the 'top' of the brain quickly decides what the 'bottom' has seen and begins doctoring the sensory data. Form is imposed onto the formless rubble of the V1; the outside world is forced to conform to our expectations. If these interpretations are removed, our reality becomes unrecognizable. The light just isn´t enough."


[Lehrer, Jonah. "Proust was a neuroscientist", Boston: Ed. Mariner Book. 2008, p.108]

30 de agosto de 2010

Boa surpresa na terra do Césio 135...




Evento imperdível em novembro! Confirmada a presença de Barbara Wilson entre os palestrantes (é o que torna o evento imperdível para mim). Acredito que este seja "o congresso" no Brasil sobre o tema. Inscrições para trabalhos abertas. Dois amigos - fontes quentes na área - informaram que o grupo de pareceristas que seleciona os estudos aprovados para apreciação do público é rígido nas regras e exigente no conteúdo. Portanto, estude, seja caprichoso e tenha fé.

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Uma adolescência na era Sarney não me deixa esquecer o desastre com césio 135 (ou seria 137?) ocorrido há vinte anos atrás em Goiânia. Todas as vezes em que ouço falar do local, lembro do assunto. Lembro, particularmente, da campanha publicitária de colorido militar estilo "ame ou deixe" após o acidente, cujo objetivo - nada modesto - era o de "salvar" a imagem da cidade. Um refrão de um jingle mal feito resumia a coisa toda num patético "Eu amo Goiânia, Goiânia me ama". Não acredito que tenha ajudado.

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Informações sobre o congresso:

14 de agosto de 2010

Alucinações Sinestésicas (ou just cause you feel it, doesn´t mean it´s there)

O conceito de Delírio e Alucinação costumam, para pessoas que não dominam o assunto, confundirem-se. E a melhor forma de explicá-los é partindo dos campos cognitivos distintos que especificam cada um deles. Alucinação é produzida no campo perceptivo. O delírio, no amplo campo do pensamento.
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Todavia, há uma dificuldade quando paramos pra pensar nos fenômenos alucinatórios (sim, bravo leitor, existem muitas e terríveis formas de se alucinar). Se a percepção exige, em princípio, um objeto (sonoro, visual, tátil, olfativo), como podemos falar em percepção sem objeto? Bom, grosseiramente resumindo, este é o conceito mais exato da alucinação: o sujeito receptor percebe um objeto sem que ele, de fato, exista (lembra-me os versos de "There, There", do Radiohead: just cause you feel it, doesn´t mean it´s there).
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No famoso livro do Dalgalarrondo, "Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais"[1], que todo estudante da área psi é obrigado a decorar nas inúmeras disciplinas de Psicopatologia que atravessa ao longo da formação, há um comentário sobre a estranheza do mundo percebido nos quadros de alucinação sinestésica. Diz ele:
"Nas fases iniciais de muitos quadros psicóticos, observa-se a estranheza do mundo percebido, na qual o mundo, como um todo, é percebido alterado, bizarro, difícil de definir pelo doente. O mundo parece que se transformou, ou parece morto, sem vida, vazio, ou ainda sinistramente outro, estranho."
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Psicopatologicamente, a definição é perfeita. Mas existem as boas sinestesias (conceito que não se confunde com o de alucinação sinestésica, é verdade).E ainda que não se confudam, são uma ótima desculpa para escrever este post com a única finalidade de indicar boa leitura na web (defendo a tese de que textos medíocres adoecem): o blog do Gilvan Tessari, "Sinestesia", versa sobre muita coisa interessante: grandes músicas, filmes imperdíveis, impressões sobre os assuntos menos prováveis de renderem bom textos (como garrafas plásticas e chá verde) de um sujeito em profundo contato com o mundo.
...
Lembram-se do post que escrevi meses atrás sobre a desilusão que tipifica os deprimidos? Aqui está um autor que funciona contrariamente a tudo aquilo: aceita sentir de modo muito original as coisas do mundo (e isso não significa uma existência sem dor e sofrimento) e descreve suas impressões em textos interessantíssimos.
Recomendo a leitura a todos aqueles que se interessam por gente (eu me interesso):
Boa leitura! O link permanecerá ali do lado.
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Quer saber mais? Bibliografia indicada:
[1] Dalgagalarrondo, P. "Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais" 2ª ed. Porto Alegre: Artmed.

2 de agosto de 2010

Na Cabeceira


"Em algumas das mais interessantes páginas da história do pensamento ocidental, analisa Santo Agostinho (2000) o fenômeno do tempo. Constata o pensador cristão que, examinadas no detalhe, as noções de passado, presente e futuro não conseguem expressar com exatidão aquilo que representam. É, pois, acorrentada entre presenças da memória, da atenção e da expectação que devemos visitar em sua morada a consciência humana.


(...) Isolada num presente incontornável, a consciência estofa-se, na verdade, da 'lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança das coisas futuras' (idem,ibidem). O passado-registro do material coletado do paciente fica materialmente disponível para todo e qualquer investigador, incluído o autor, nos seus eventuais retornos ao material. É, portanto, um passado que prescinde, em certo grau, do sujeito responsável pelo estudo.


(...)É o sujeito investigador, por ter participado da textura temporal de sentido da relação terapêutico-científica, o relacionando e conferindo significação viva aos termos do passado. Apenas esse sujeito, na sua solidão indevassável, pelo exame das ressonâncias do patrimônio das vivências do paciente nas suas próprias vivências, pode eleger aquelas que podem operar como fator de coesão entre o presente e o passado.


(...) Com isso, aproxima-se a noção de ciência psicopatológica a um relato extremo e íntimo, solitário e radical, das experiências de realidade do próprio pesquisador. Toda fenomenologia só pode ser, portanto - caso ambicione tanger as cordas misteriosas da realidade mental - uma modalidade de testemunho pessoal. É na intimidade da consciência individual que a realidade pode ser encontrada. "


[Messas, Guilherme. "Ensaio sobre a estrutura vivida - psicopatologia fenomenológica comparada". São Paulo: Ed. Roca, 2010. p.7, 9 e 10]

26 de julho de 2010

Investigação nº11


Sou informada pelo mais querido editor que o site da revista "Investigação nº 11" já está no ar. Com conteúdo arrojado, a nova geração de estudantes de filosofia da gloriosa Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS mostra-se pronta para fazer história no mundo das ideias.


Ao contrário do comum lançar-se leviano e adolescente, estes lançam-se solidamente, com incentivo cultural batalhado (sem indicações ou atalhos inescrupulosos) e ISSN!

É uma alegria ver a Investigação nº 11 tão concreta, tão pronta. Busquem-na. Tenho certeza que vai valer a pena.

E parabéns ao Guilherme e à Letícia!



4 de julho de 2010

Calligaris cada vez melhor


O blog do Contardo Calligaris anda cada vez melhor. Recomendo especialmente a crônica sobre a navegadora mirim Abby Sunderland, cujos pais foram tremendamente criticados por permitirem que ela realizasse o desejo de dar a volta ao mundo aos 16 anos de idade. Contardo traça um paralelo com o prolongamento da dependência dos adolescentes aos adultos "cuidadores" e da incoerência do conceito de cuidado na atualidade. E observa:


"Comentando a aventura de Abby, um pai me disse: 'Nunca deixaria minha filha navegar sozinha. Eu não quero perdê-la.' Pois é, 'não quero perdê-la' em que sentido?


Vale a leitura.



27 de junho de 2010

1ª Jornada de Análise do Comportamento na Usp

O departamento de psicologia experimental da Usp organiza sua primeira jornada de análise do comportamento. Ela acontece nos dias 12 e 13 de agosto de 2010 e promete um debate sobre o conceito de "eu" no behaviorismo radical. O valor das inscrições é bastante acessível, levando-se em conta a qualidade dos profissionais chamados para palestrar no evento. Ainda que não seja a escola da Psicologia que mais me atraia, considero importante conhecê-la.
Mais informações no site www.jac-usp.com.br

8 de junho de 2010

Nem só de Psicanálise a psicoterapia vive...


O fenomenal Guilherme Messas, psicopatologista fenomenológico estrutural, está lançando seu novo livro, "Ensaio sobre a estrutura vivida" na noite do dia 17 de junho (mais precisamente das 18:30h às 21:30h) na Livraria Saraiva Mega Store do shopping Pátio Higienópolis (Av. Higienópolis, 618).
...
Recomendo os escritos de Messas entusiasticamente. Tive a alegria de supervisionar um caso clínico com ele em abril. Posso dizer que a experiência de pensar um paciente na ótica da psicopatologia fenomenológica estrutural com um estudioso refinado como Messas é transformadora. Permitiu-me ampliar o olhar para uma teoria que conheço muito pouco, mas que fez imenso sentido e auxiliou na abordagem terapêutica de um caso difícil*.
...
Não cometerei a leviandade de tentar discorrer sobre ela. A ideia é convidá-los para o lançamento do livro e incentivar estudantes das ciências psi a irem atrás dessa linha teórica sofisticada, profunda e (infelizmente) pouco conhecida.
...
[*importante esclarecer que somente casos previamente autorizados pelos pacientes - via assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - são levados para supervisão clínica; ainda assim, conforme preconiza o código de ética em pesquisa com seres humanos, nome ou outras informações que possam identificar o paciente jamais são reveladas.]

23 de maio de 2010

Na Cabeceira


"Não se pode haver atalhos quando se quer conhecer profundamente uma pessoa. Isso poderia levar uma vida inteira. Mesmo que vivamos intimamente com outra pessoa, poderemos dizer que a conhecemos totalmente? Sempre, porém, tomamos alguns atalhos, e um dos mais comuns é o da estereotipia.
Quando encontramos estranhos, por exemplo, assim que soubermos de sua profissão, começaremos o processo de construção de um retrato deles. Talvez, então, comecemos a pensar que é possível colocá-los em uma categoria conhecida. Com base em nosso conhecimento prévio das pessoas que pertencem a essa categoria, podemos começar a pensar que sabemos mais a seu respeito do que de fato sabemos.
No entanto ter uma opinião mais adequada do que é mais importante e também individual em um estranho demandará muito mais trabalho. Contudo, quando estamos impacientes e queremos afastar a sensação de estar diante de um estranho, bem como desconforto do desconhecido, partimos então para o que é conhecido. Podemos notar isso acontecendo nas análises também."
[Casement, P. "Aprendendo com nossos próprios erros: para além do dogma na psicanálise e na psicoterapia". Porto Alegre: Artmed, 2004, p.130]

20 de maio de 2010

Ode ao Toc


E vocês assistiram à nova peça publicitária da Colgate para seu sabonete "Protex"? Um verdadeiro ode ao Transtorno Obsessivo Compulsivo. Um jingle estridentemente alegre acompanha a letra macabra:

LAVE! LAVE!
Você lavou as mãos?
LAVE!
Há bactérias em tudo o que tocamos!
LAVE!
Que podem te deixar doente!
LAVE!
Você deve lavar as mãos várias vezes!



A segunda parte da música é povoada por imagens arquetípicas de autoridade (A mãe, O médico, A anciã); personificações do Superego fazendo o universal sinal de veto: a palma da mão espalmada, ordenando para que esperemos. Nesse momento sublime do comercial, há a seguinte letra:


ESPERE!
Depois de ir ao banheiro.
ESPERE!
Depois de brincar.
ESPERE!
Depois de tossir, espirrar.
Depois de brincar com seu bichinho.

Controle-se! Necessidades do corpo e impulsos de vida são perigosos, exigem higiente e controle. Fazer xixi e então ir brincar (ainda mais se "seu bichinho" estiver na jogada)? No way! No site, há uma explicação de que a empresa busca "colaborar com a conscientização da população para os perigos do H1N1". Então tá.

Mas para mim o pior, o que mais aciona meu lado Toc, é a imagem ilustrativa das bactérias (didáticas bolinhas verdes) em imensa quantidade antes do sujeito usar Protex e depois (duas bolinhas apenas)... Perco o sono pensando nestas duas bolinhas.O que, afinal, aconteceu com elas?

E se elas sobreviveram? E se elas fizeram aquilo que as bactérias e vidas pequenas são peritas em fazer: mutar, multiplicar, fortalecer e conquistar o enorme organismo que teimosamente insistem em invadir?


Perturbador!

5 de maio de 2010

Freud na Virada Cultural


A obra de Sigmund Freud está, nos últimos meses, sendo reeditada pela Companhia das Letras e L&PM com novas traduções, desta vez do alemão para o português. Isso não significa dizer que a clássica edição da Imago das "Obras Completas" ainda nao seja referência obrigatória para os estudiosos brasileiros. Lembremos que foi a partir dela, com todos os seus problemas e questionamentos, que se divulgou pela primeira vez em território nacional os escritos psicanalíticos e que, conseqüentemente, se fundou um vocabulário técnico, até hoje arraigado nas discussões teóricas que ambasam a prática psicoterápica. Ninguém questiona o papel que a edição da editora fluminense ocupou e ocupa na formação de grande parte dos psicanalistas e psicoterapeutas que atuam na área. O que se questiona é um pouco mais sutil: os termos adotados expressam de fato o que o pai da Psicanálise queria dizer?



As novas traduções arejam os textos a partir da releitura que pensadores contemporâneos oferecem ao público, com outros modos de compreender escritos freudianos consagrados. Tais traduções e reedições vem com o intuito de analisar os artigos exatamente como Freud os concebeu: na língua alemã e sem a influência da Escola Psicanalítica Inglesa, fortemente kleineana, que acabou atravessando a primeira versão da coleção, traduzida, na época, do inglês para o português por Jayme Salomão.



Em se tratando de Freud, fundador da mais importante ciência do início do século passado e cuja ressonância soou, inesperadamente, em outras disciplinas e campos de saber, tratam-se de edições ousadas e necessárias. A Psicanálise inaugurou um novo modo de compreender os fenômenos humanos, criando jargões técnicos muito particulares e nem sempre de fácil compreensão, mas que se popularizaram enormemente. Tenho certeza que você não se surpreenderia se encontrassse o porteiro do seu edifício chamando a moradora do 42 de "histérica" (espero, sinceramente, que a moradora do 42 não seja você). Com as novas edições, um amplo debate sobre o que o Velho queria dizer mesmo se estabelece quase que automaticamente. Nos projetos das duas editoras, muita gente interessante e com amplo conhecimento de causa enriquecendo a discussão. Ganhamos todos.



Ganhamos mais ainda no dia 15 de maio, às 17horas e 30minutos: a L&PM estará lançando dois volumes em grande estilo: "O mal-estar na civilização" e "O futuro de uma ilusão", versão pocket, serão precedidos de um um debate com o tradudor Renato Zwig, o professor Márcio Seligmann-Silva e os psicanalistas Edson Souza, Paulo Endo e Renata Udler Cromberg.




Tive a felicidade de ser aluna em uma disciplina de Psicopatologia de Renata Cromberg, uma das pensadoras mais interessantes que conheci e com quem tive o prazer de aprender. Cromberg é a responsável técnica e autora do prefácio da edição de "O futuro de uma ilusão", um dos chamados "textos sociais" em que Freud se questiona sobre o papel da religião.


Por isso, considero um privilégio este evento em plena Virada Cultural. Vou mais longe ainda e incentivo você, bravo leitor, a fugir da Virada Cultural (em sua essência muito chata e muito pouco cultural - ainda que amigos insistam em defendê-la dizendo que a chata sou eu) e ir assistir ao debate que - sei por fontes quentes - apresentará alguns pontos polêmicos que renderão boas discussões.


A melhor Virada (possível) para você.
E um bom debate para todos nós!

11 de abril de 2010

Sessão "Na Cabeceira"


Obholzer: - O senhor não deve esquecer que, num romance, as diferentes qualidades são necessariamente encarnadas por pessoas diferentes. Caso contrário, não se poderia mais escrever, ficaria muito difícil.

Homem dos Lobos: - Caso contrário, ficaria tudo embrulhado, como em mim, atualmente, não é?

O: - Acreditar que, com a idade, nós nos tornamos mais inteligentes e mais sensatos, aparentemente, é uma ilusão.

H:- Mas, em geral, os velhos se tornam mais calmos; ficam na cama, e isso não é ilusão.

O: - O senhor acha? Não conheço tantas pessoas idosas, não sei. Talvez isso seja apenas uma idéia muito difundida, que nada tem de verdadeira.


["Conversas com o Homem dos Lobos", Obholzer, K., Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. p. 248]