"Em algumas das mais interessantes páginas da história do pensamento ocidental, analisa Santo Agostinho (2000) o fenômeno do tempo. Constata o pensador cristão que, examinadas no detalhe, as noções de passado, presente e futuro não conseguem expressar com exatidão aquilo que representam. É, pois, acorrentada entre presenças da memória, da atenção e da expectação que devemos visitar em sua morada a consciência humana.
(...) Isolada num presente incontornável, a consciência estofa-se, na verdade, da 'lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança das coisas futuras' (idem,ibidem). O passado-registro do material coletado do paciente fica materialmente disponível para todo e qualquer investigador, incluído o autor, nos seus eventuais retornos ao material. É, portanto, um passado que prescinde, em certo grau, do sujeito responsável pelo estudo.
(...)É o sujeito investigador, por ter participado da textura temporal de sentido da relação terapêutico-científica, o relacionando e conferindo significação viva aos termos do passado. Apenas esse sujeito, na sua solidão indevassável, pelo exame das ressonâncias do patrimônio das vivências do paciente nas suas próprias vivências, pode eleger aquelas que podem operar como fator de coesão entre o presente e o passado.
(...) Com isso, aproxima-se a noção de ciência psicopatológica a um relato extremo e íntimo, solitário e radical, das experiências de realidade do próprio pesquisador. Toda fenomenologia só pode ser, portanto - caso ambicione tanger as cordas misteriosas da realidade mental - uma modalidade de testemunho pessoal. É na intimidade da consciência individual que a realidade pode ser encontrada. "
[Messas, Guilherme. "Ensaio sobre a estrutura vivida - psicopatologia fenomenológica comparada". São Paulo: Ed. Roca, 2010. p.7, 9 e 10]