
Nos últimos dias, a imagem ao lado da cantora americana Madonna foi divulgada em algumas publicações como suposta prova de que ela sofre de uma psicopatologia chamada Vigorexia.
A imagem de fato é chocante: mostra Madonna com os braços muito magros e pálidos, atravessados por inúmeras veias. Uma visão completamente diferente do que a maioria das pessoas possui em relação a artista, sinônimo de vigor físico, ousadia, sensualidade, graça, luzes, dança. As manchetes que acompanham a foto adotam o mesmo tom chocante e - ouso dizer - raivoso, soando mais ou menos assim: "vejam, ela não passa de uma velha querendo bancar a menininha e isso a adoeceu!".
A Vigorexia, psicopatologia cuja característica essencial é a prática excessiva de exercícios físicos a ponto de causar lesão muscular, acompanhada de sofrimento e nenhuma crítica do sujeito sobre seu comportamento, ainda não foi formalmente descrita nos manuais de classificação de transtornos mentais. Muito provavelmente, estará presente na próxima edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM, escrito pela Associação Psiquiátrica Americana - APA e editado, no Brasil, pela Artmed; conseqüentemente, também, na próxima edição da Classificação Internacional de Doenças - CID (de modo relativamente harmônico, as duas publicações "caminham juntas" e são consideradas importantes no mundo científico, ainda que sofram - por vezes de modo justificado - críticas acirradas da classe psicológica e psiquiátrica). Ainda que me pareça bobo entrar no mérito, parece-me importante relambrar que o estabelecimento de uma hipótese diagnóstica em saúde mental exige muito mais do que a simples imagem de uma foto.
Estabelecimento de qualquer diagnóstico - e em psicologia não é diferente - requer contato direto com o paciente e técnica para avaliar. Lembro-me de que, alguns anos atrás, um famoso laboratório farmacêutico distribuiu em um congresso científico da área psi uma revista-brinde. O conteúdo, impresso em papel caro, continha "casos clínicos" com hipóteses diagnósticas para personalidades, como Beethoven, Oscar Wilde, Van Gogh, entre outros. O que se via era um texto mal escrito e desinformado lançando a esmo afirmativas infelizes que reduziam Beethoven a uma paranóia, Wilde à neurastenia, Van Gogh à uma psicose.
A psicopatologia vai muito além da simples junção de critérios diagnósticos e observação de determinado comportamento: ela exige que se pense o paciente conjuntamente com ele (sempre que possível e raramente não o é). Dizer que Madonna é "Vigoréxica", ou qualquer outra coisa, pela simples visão de uma foto é maldoso e ingênuo.
Quando a cantora esteve no Brasil, no final do ano passado, assisti à sua última apresentação em São Paulo. Madonna é uma artista carismática que se comunica magistralmente com a platéia e exibe vigor físico, alegria, auto-controle e liderança invejáveis. Os meios de comunicação que exibem a artista como vigoréxica parecem desejar imensamente atingir a imagem de uma mulher que sempre utilizou - e, diga-se de passagem, de modo muito habilidoso - a mídia para a auto-promoção, mas que, ao mesmo tempo, nunca se submeteu a ela. Como conseqüência, erram duas vezes. Primeiro, por adotar um discurso preconceituoso em relação aos transtornos mentais, amparado na percepção de que determinada psicopatologia atingir um indivíduo em virtude de sua "fraqueza de caráter". Segundo, por confundir o público em relação a um assunto tão delicado quanto critérios diagnósticos em psicopatologia.